A VIRTUALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS : AUTENTICIDADE E TRANSPARÊNCIA

UC : Educacação e Sociedade em rede

Atividade 4 - A virtualização das relações sociais

Autenticidade e transparência na rede


Na rede, quem somos?

Somos nós mesmos?

Há transparência e autenticidade na rede?

Mostramos quem somos ou criamos algo que gostaríamos de ser?

E a credibilidade, autenticidade e qualidade das informações?



Desde o nascimento, a criança vai se transformando de ser biológico em um ser cultural através das interações humanas. É na relação com o outro é que ela vai adquirindo certa singularidade e vai se construindo em sujeito social.

Vygotsky, grande pesquisador na área da teoria de desenvolvimento e aprendizagem, define o homem como ser social, onde a constituição do sujeito se dá a partir das relações sociais. Para ele, a relação não se dá necessariamente pelo outro corpóreo, mas pela possibilidade de interação com signos, símbolos culturais e objetos.

Almeida (2000) afirma que a teoria de Vygotsky tem como perspectiva o homem como um sujeito total enquanto mente e corpo, organismo biológico e social, integrado em um processo histórico. A partir de pressupostos da epistemologia genética sua concepção de desenvolvimento é concebida em função das interações sociais e respectivas relações com processos mentais superiores, que desenvolvem mecanismo de mediação. As relações homem-mundo não ocorrem diretamente, são mediadas por instrumentos ou signos fornecidos pela cultura.

As relações entre sujeitos e tecnologia colaboram para o desenvolvimento desses sujeitos. De acordo com Freitas (2010), as mediações que ocorrem via computador e internet são de três ordens: ferramenta material, que é o computador enquanto máquina, a semiótica, através da linguagem e entre sujeitos, os interlocutores. Portanto, as relações não se dão mais predominantemente de forma presencial, não são baseadas somente na oralidade e escrita, mas também nos códigos digitais. Da mesma forma, a relação com o dinheiro e o mercado se transformou, também recebendo características virtuais. Como exemplo, podemos citar a compra de  produtos  pela internet sem ter que se deslocar até a loja. É a imagem que nos seduz a comprar e consumir, que nos faz entrar no jogo das aparências. As novas tecnologias colaboraram para a virtualização das relações entre as pessoas, dispensando, muitas vezes, a presença física, o encontro face a face.

Com o surgimento da Web 2.0, passamos a ter também o contato com as redes sociais, onde é possível interagir. As pessoas passaram a compartilhar informações, o que não acontecia anteriormente, onde se dispunha de muita informação, em que a minoria dominante impunha suas lógicas, deslegitimando a visão e ideia do outro, onde o indivíduo era mais um espectador. Hoje, o sujeito pode expor suas ideias e projetos publicamente ou não, para que outros possam aperfeiçoá-los, interligá-los. A construção do conhecimento passa a ser mais coletiva, com processos mais abertos e atrativos já que os espaços e tempos são mais extensos, já que as respostas não precisam ser síncronas, facilitando a ponderação.

Diante dessa realidade, onde as relações passam a ser mais horizontais e virtuais, as verdades são relativizadas e passa a ser confusa a fronteira entre o que é e não é verdadeiro e autêntico.

O homem sempre teve a preocupação em "ocultar" suas características que considera negativas, tentando mostrar somente as que ele considera positivas, pois o ser humano busca constantemente a perfeição. Mesmo na vida real, nem sempre somos verdadeiramente autênticos ou transparentes, pois há sempre um filtro, de acordo com as relações e o ambiente, que nos impede de revelarmos tudo o que somos, pensamos e sentimos. As pessoas se preocupam mais com o que vamos aparentar para os outros e acabamos transpondo mais facilmente isso para o mundo virtual, já que o reconhecimento é mais difícil por não haver o presencial. Muitas vezes, as identidades são falsificadas para chamar a atenção das pessoas, pois o ambiente virtual acaba por "permitir" diferentes personalidades, havendo a possibilidade de assumir múltiplas identidades e também de viver uma vida virtual, ilusória, poder ser alguém que gostaria de ser e não é na realidade.

É na dinâmica da cibercultura que podemos entender melhor como os sujeitos processam suas identidades no ciberespaço e como se utilizam dos mecanismos para formação e transformação das relações sociais.

Lévy (1999) diz que o ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo "cibercultura" especifica aqui o conjunto de técnicas materiais e intelectuais, de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.

A  professora e psicóloga Sherry Turkle, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts,iniciou suas pesquisas na área de psicanálise e interação entre sujeito e tecnologia. Em uma palestra disponível na rede, Turkle faz considerações sobre as repercussões psíquicas de se estar sempre conectado. Ela comenta que uma conversa com presença física não se controla totalmente o que se diz. Já a conversa escrita nos permite maior controle e domínio de nós mesmos. Diz ainda que a tecnologia possibilitaria, portanto, uma lapidação das relações, deixando de ser natural e espontâneo. Afirma também que a tecnologia nos permite fazer um "photoshop" das relações, dos momentos, da imagem com que nos apresentamos ao mundo.

Turkle também discute a sensação que temos com o Iphone carregado e tendo a conexão necessária e que as pessoas acabam tomando como verdadeira a ideia de que podemos colocar nossa atenção no que quisermos, que seremos sempre ouvidos e que nunca ficaremos sós. 

Penso que é difícil afirmar tal questão, pois, em se falando de interação na rede, duas situações podem ocorrer: o sujeito tenta mostrar aquilo que não é e gostaria de ser ou , por existir uma distância física, ter maior facilidade para expor suas ideias e pensamentos, o que provavelmente não faria numa situação face a face.

Para Fábio Gomes, doutor em Psiquiatria e professor da UFC, as redes sociais romperam as barreiras entre o público e o privado. Para ele, as pessoas revelam nas redes sociais, coisas da sua vida privada que podem ser prejudiciais. Fábio afirma que as relações humanas, em especial as afetivas, serão cada vez mais virtualizadas e que nesse processo as pessoas projetam na rede uma idealização delas mesmas e aspirações pessoais.

Shirky, professor do Programa de Telecomunicações Interativas da Universidade de Nova York, em seu livro A cultura da participação (2010), discute a ideia de que o usuário saiu do papel de mero "consumidor" de informação, para co-criador dela e que de acordo com as ideias de Baudrillard, as mídias sociais, seus usuários e a forma dessa interação acontecer são mediadas pelo mito operador do consumo. Ele exemplifica a crítica de Baudrillard considerando o Facebook como o maior lugar de informações de marketing global, por ter o conteúdo gerado pelo próprio usuário, contendo ali informações de consumo mais eficazes do que qualquer pesquisa de mercado. Ainda diz que vivemos, pela primeira vez na história, em um mundo no qual ser parte de um grupo globalmente interconectado é a situação normal da maioria dos cidadãos e como diz o físico Philip Anderson, ganhador do Nobel, em 1977, "mais é diferente", quando você agrega uma grande quantidade de alguma coisa, ela se comporta de novas maneiras. 

Vivemos um momento chamado por Bauman (2010) de modernidade líquida, onde tudo é passageiro e muda de forma rápida. Para ele a geração digital é incapaz de manter a mesma forma por muito tempo. O privado hoje, pode se tornar público amanhã e fica a pergunta: como dimensionar e controlar tudo isso?

Se isso é bom ou mau, não podemos afirmar, já que depende do contexto, circunstâncias e relações.  

Lévy (1996) diz que a virtualização não é nem boa nem má, nem neutra. Ela se apresenta como o movimento mesmo do devir outro- ou heterogênese - do mundo. Antes de temê-la, condená-la ou lançar-se às cegas a ela, ele propõe que se faça o esforço de apreender, de pensar, de compreender em toda a sua amplitude a virtualização.

Ao falarmos sobre virtualização, não podemos deixar de comentar sobre autenticidade e qualidade das informações encontradas na rede. O acesso às informações deixou de ser um problema e a questão passou a ser a credibilidade dessas informações. A autenticidade depende da idoneidade de quem produz e divulga.  Quando falamos desse assunto, surgem problemas relacionados com plágio, fraude e má utilização da rede. Daí a importância de desenvolver nos sujeitos as competências necessárias para o uso adequado desses instrumentos no que diz respeito à ética e seleção de repositórios/fontes e recursos confiáveis.

Diante de tudo o que foi exposto, fica claro que o virtual, que já é parte integrante de nossa vida, é indispensável, mesmo com todos os problemas. O que precisamos é aprender a lidar com esse mundo de forma adequada, assim como aprendemos a lidar com os problemas de nosso mundo físico.




Referências bibliográficas

Almeida, M.E.B.de. (2000). Informática e Formação de professores. Brasília: Ministério da Educação.

Barbosa, M.K. (2013). Viver conectado, subjetividade no mundo contemporâneo. São Paulo: Ide, vol.35. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062013000100008 , acesso em 07/01/2015.

Freitas, M.T.A. (2010). A perspectiva vygotskiana e as tecnologias. Educação, nº 2, p.58-67.

Koehle, C. & Carvalho, M.J.S. (2013). O público e o privado nas redes sociais. Passo Fundo: Revista Espaço Pedagógico, v.20, nº 2, p.275-285. Disponível em http://www.upf.br/seer/index.php/rep/article/viewFile/3555/2356 , acesso em 07/01/2015.

Lévy, P. (1996). O que é virtual?. São Paulo: Editora 34.

Lévy, P.& Dery, M. (2013). Esboços sobre a virtualização do conhecimento comum e das práticas e culturas do cotidiano. Brasília: Revista Comunicação e epistemologia da Universidade Católica de Brasília. Disponível em http://portalrevistas.ucb.br/index.php/RCEUCB/article/viewFile/4159/2535 , acesso em 08/01/2015.

Shirky. C. (2010). A cultura da participação, criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar.

Turkle, S. (2012). Connected, but alone? Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=t7Xr3AsBEK4, acesso em 09/01/2015

Imagens e sites:


          
Elaborado por Eliane Gonçalves Ciolfi



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